segunda-feira, setembro 22, 2008

segunda-feira, fevereiro 25, 2008

Sentimentos incoerentes

Finalmente vou falar de um tema que, apesar de me provocar ainda sentimentos incoerentes, é necessário deitar cá para fora de vez.
Vou finalmente escrever um texto dedicado aos vários anos em que estive ligado ao associativismo juvenil. Ainda não há muito que escrevi um tópico sobre esse tema... Mas esse foi mais de desabafo e uma tentativa de deitar cá para fora uma série de sentimentos desagradáveis e angustiantes. Não quero com isto dizer que não acredito no que disse anteriormente, continuo a achar o mesmo. No entanto não é só aquilo que tem de ser dito.
Mas por onde começar? Bem o melhor é começar a falar desde o início e tentar fazer algum sentido em toda esta confusão de ideias e sentimentos.
Comecei no associativismo ainda nem tinha noção do que era isto... Era puto, devia ter os meus 8/9 anos, quando entrei para um movimento católico. Tenho muito poucas lembranças desses tempos mas, tenho pequenas e boas recordações. Desde as missas em que tocávamos com bateria, órgão, guitarra eléctrica, para armar-me em conhecedor até tivemos connosco a trompete afinada do Raul Marques. A minha irmã é que costuma dizer quer era o Raul que nos dava as alvoradas nos acampamentos com a trompete dele (desta última lembrança só mesmo pelo que ela dizia eu já não me recordo).
Infelizmente este movimento acabou e ai estive muito tempo sem fazer nada. Nada como quem diz, como era um puto hiper-activo estava sempre era metido em aventuras e desavantura... Até que aos 15 anos me decidi enfiar numa outra associação "Corpo Nacional de Escutas".
Ai criei um grande grupo de amigos que me acompanharam durante muitos e muitos anos. Aprendi que quando uma pessoa tem um sonho, tudo é possível. A vontade mexe montanhas, e na singela e pacata cidade de Viseu, este pequeno grupo inventava sempre novas formas de construir e modificar o mundo (pelo menos o mundo visto por eles).
Foi nesta altura que aprendi algo que considero fundamental para qualquer pessoa... O imaginário, a mística e a simbologia.
Durante os vários anos em que estive ligado a esta associação, aprendi a viver em equipa, a trocar opiniões e a debater ideias, principalmente quando estas eram muito diferentes em cada um de nós. Aprendemos a viver em família.
Nestes primeiros anos, como é óbvio, não tinha esta noção. Não sabia o que estava a construir nem como isso iria influenciar a minha vida futura.
Lembro-me que marcávamos acampamentos só para irmos para a discoteca, pois putos com 17 anos na altura ainda não conseguiam convencer os pais a ir.
Mas mais do que isso, lembro-me que marcávamos actividades para estar uns com os outros sempre que podíamos. As vezes fim-de-semana sim, fim-de-semana não.
Quando passei para o grupo dos mais velhos, coincidiu com algo que foi muito importante para a minha vida, a entrada no curso de Animação Sócio-Cultura/Assistente Familiar. Aqui sim, comecei a ter noção das coisas e como é que elas influenciavam a vida e a sociedade.
Entrei neste curso por sorte, e foi super fácil para mim faze-lo. Toda a teoria que estava a aprender neste curso, já a colocava em prática nos escuteiros, apenas não a sabia explicar.
Aqui sim, os meus olhos abriram-se para o associativismo e qual era a sua importância.
Comecei a procurar associações, a querer conhecer o trabalho delas. E o que encontrava eram as associações multi-usos... "Associação Cultura, Recreativa, desportiva de um lugar qualquer" Todas as terras, terrinhas, aldeias, cidades, vilas, etc estavam cheias de associações deste género. E a grande actividade que elas tinham era o café cheio de velhotes a jogar a sueca, o bailarico anual e com sorte, mas muita sorte mesmo, tinham duas equipas de futebol e realizavam os famosos torneios "solteiros/casados".
Aqui foi quando levei o primeiro choque da realidade em que o nosso pais tinha caido.
As pessoas usavam o associativismo como forma de receber um ordenado sem ter de fazer muito. Sempre que passava por uma associação destas, ria-me e dizia... Ok, estes estão a receber os fundos pelo "Cultural", pelo "Desportivo" e ainda pelo "Recreativo" mas só um núcleo é que trabalha... o Recreativo (o jogo da sueca, matrecos e corte da chouriça).
Mas neste ano de 95 tinha o mundo as costas, achava que tudo era possível e que ninguém me conseguia demover. Por isso continuei a minha procura. Continuava activo nos escuteiros (desde que tinha passado para os caminheiros que a minha vida era aquilo). Nunca faltava a uma actividade, estava sempre disponível para qualquer coisa em que acreditava. Estava sobretudo ávido de aprender.
E tanto que aprendi. Nesse ano tive também a sorte de conhecer e entrar para outra grande associação "Associação Juvenil Jovem a Jovem". Nela conheci mais pessoas que acreditavam como eu.
O projecto da associação era fantástico. Fazia-se prevenção primária como nunca tinha visto. Em vez de andarmos (como todos os outros) a dizer: Fumar drogas faz mal, não se metam nessas coisas do demo, etc. O que fazíamos era falar com as pessoas de igual para igual. Não criticar ninguém mas sobretudo perceber e debater os temas, tirar as dúvidas, acabar com os tabus.
Era a educação pela conversa, pelo exemplo, pela partilha. Não pela crítica, pelo fanatismo e muito menos pela repressão.
No fim de ter feito o curso da AJJ passei logo a pertencer a ela como membro, tendo ido fazer dois anos depois o curso de facilitadores da associação.
Passei os anos seguintes entre estas duas associações. Lembro-me perfeitamente de quase todas as actividades que vivi em cada uma delas. Dos sorrisos, dos abraços, das pessoas que iam entrando e saindo. Das alegrias, das tristezas, dos choros, dos desabafos...
Ainda hoje me lembro de uma actividade muito especial para mim... Foi um Encontro Regional de Caminheiros, organizada pelas regiões de Viseu e Coimbra. Realizado em Santa Comba Dão, tinha um percurso que ia desde essa vila até ao cimo do Caramulo e Caramulinho.
Na minha equipa ficou um rapaz que tinha tido um acidente de mota 2 anos antes e que o deixará de cadeira de rodas. Como devem estar a perceber, nós não fomos pela estrada, o que dificultava a ida deste nosso amigo. Mas em todos os pedaços do trilho em que ele nos podia acompanhar, ele estava presente. A actividade começou numa sexta eram 00h e nessa mesma noite saimos ainda para fazer uma caminhada de 2 horas. Deitamos-nos num palheiro para dormitar eram já 04 e as 08h estávamos já levantados e a caminho.
Neste dia subimos e subimos. Passamos por trilhos complicados, mas com a ajuda de todos, ele lá ia fazendo-nos companhia... Exceptuando as zonas em que era mesmo impossível ele percorrer, pois mesmo nós tínhamos dificuldades ele estava ali. Parávamos para ler as reflexões que a organização tinha escolhido como tema para esta actividade e debatíamos entre nós. Era tal a interacção e unidade entre cada um que, quando ele sai de perto de nós para fazermos um trilho mais difícil parecia que faltava ali algo.
No último dia (domingo) chegamos a caminhar 7h32m e 20segundos à chuva... Chuvia copiosamente. Estávamos já encharcados até aos ossos quando nos arranjaram uma garagem num hotel no Caramulo para irmos secar-nos e descansar.
300 e tal escuteiros estavam dentro desta simples garagem, na altura toda feita em cimento e sem nada de conforto senão o corpo de cada um de nós. Havia pessoas a colocar os pés do colega debaixo dos braços para o aquecerem, evitando assim que arrefecessem demais. Outros partilhavam roupas pois quem tinha mochilas mais fracas tinha ficado com a roupa toda encharcada e não tinha o que vestir. Estavam 300 e tal pessoas a viver como se uma família fosse.
A medida que a chuva lá fora ia amainando, lembro de me ter aproximado de um grupo que tocava uma guitarra e de termos começado a cantar uma canção tímidamente...

" Se sentes dentro de ti
Sempre a sede de gritar,
O nome da liberdade,
A coragem de falar.
A palavra da verdade.
E a servir, participar,
Na construção da cidade,
Na construção da cidade,
Então…"

A cada acorde tocado, iam chegando e juntando-se a nós cada vez mais pessoas, aquele pequeno canto ia-se transformando numa mancha que iam sorrindo timidamente umas para as outras e se abraçando, guitarras iam saindo dos sacos e mesmo as que vinham molhadas, rapidamente secavam com a força dos dedos que as dedilhavam.
Nesta altura o sol começou a aparecer, não tímido, não a medo, mas em toda a sua pujança... Todo o seu calor era espalhado pela terra e entrava sem pudor por aquela garagem dentro. Saimos a correr cá para fora, continuando a cantar e a dançar... Os guitarristas não paravam a sua missão... Acho que neste momento... (bem... neste momento lembro-me bem o que senti... Sorrio alegremente enquanto a lágrima me escorre pelo face).
Mas continuando o que me fez escrever isto... Estava a 100% dedicado ao associativismo. A minha mãe chegou a perguntar se a casa era só para ir lavar a roupa e dormir de vez em quando.
Entretanto comecei a trabalhar. A minha vida teve de ter mudanças óbvias. Sai de Viseu e parei 6 meses em Leiria... Ai ainda cheguei a ajudar na criação do CUL - Caminheiros Universitários de Leiria... Mas como estive lá pouco tempo a minha passagem foi quase invisível.
Vim para Lisboa. Dediquei-me na altura mais à AJJ. Apesar de ir ainda muitos fins-de-semana a Viseu e aproveitar para ir a algumas actividades dos Escuteiros, a minha partida foi-se proporcionando, até que finalmente fiz a partida e me afastei de vez.
Na altura tinha saido um álbum do Rui Veloso que tinha uma música que dizia:
"Por grande a tentação
Que te crie a saudade
Não mates a recordação
Que lembra a felicidade

São as regras da sensatez
Vais sair a dizer que desta é de vez"

E assim foi. Parti dos escuteiros, que muito me custou e dediquei-me a AJJ.
Claro que ser associado numa associação e ter cargos de direcção não é fácil. Pelo menos se tiveres também um emprego. E acabei por me sentir punido por isso. Por ter um emprego...
E à medida que o tempo foi avançando fui tentando escolher o meu lugar consciente dessa realidade. Tinha de arranjar algo que me permitisse fazer o meu trabalho mas também defender as minhas ideias e lutar por um lugar melhor.
Neste percurso acabei na direcção nacional da AJJ e mais tarde fui parar ao CNJ.
Aqui o sonho caiu. Começo a ver a triste realidade. Começo a ver que metade das actividades que se fazem em "prol" da juventude não passam de tentativas para se subir e ganhar mais projecção política.
A cor política ajuda a criarmos e a realizarmos actividades...
Aprendi a fazer jogos de cintura para ir realizando os sonhos...
Aos poucos e poucos fui-me infiltrando... fui-me habituando a isto... Mas comecei a não me sentir bem... Comecei a não me sentir em paz. Para jogos de cintura comecei a preferir a Salsa e a Kizomba.
Comecei a sentir-me incompleto. Passei a ter o pior que há no associativismo... Só tinha tempo para o trabalho e para as dores de cabeça quando se tenta realizar uma actividade e nunca tinha tempo (o trabalho consome imenso) para aproveitar-me da actividade em si.
O passar dos anos fez-me então aperceber-me que era chegada a altura de fazer uma nova partida...
Era altura de arrumar as pastas e seguir a minha vida fora do associativismo juvenil.
Não vou voltar a referir o que já disse no post anterior pois continuo a achar o mesmo e não vale a pena repetir-me para aqui... Mas vou acrescentar que a desilusão foi grande. Comecei a sentir-me um velho do Restelo que falava de sonhos, de acreditar num mundo novo, num mundo melhor. Sentia-me um velho que já não encontrava pares para sonhar nem criar sonhos comuns. Estava tudo já muito envolvido nos jogos para ter tempo para dormir e sonhar. O sonho foi-se transformando em noites negras... Já nem havia tempo para sonhar... O cansaço e as preocupações faziam com que ao chegar a cama se dormi-se sem mais nada.
Felizmente chegou o esperado dia... O dia da última assembleia geral. O dia em que ia deixar de pertencer a qualquer cargo de dirigente no associativismo juvenil.
Estava feliz... Ia voltar a ter tempo para outras coisas... Até quem sabe vir a ter vida pessoal.
Ia-me dedicar à dança, talvez voltar a fazer teatro. Ter tempo para a namorada. Tanta coisa que podia fazer... Mas sobretudo, queria voltar a ter tempo para SONHAR.
QUERO SONHAR PORRA... Quero perder horas e horas de sonho (mesmo acordado) para construir castelos nas nuvens.
E foi quando, respirando de alívio, entrei no carro e comecei a dirigir-me a Lisboa que aconteceu.
Entrou por mim a dentro, sem pedir licença, a saudade.
Vinha cheia de recordações de momentos, de rostos, de sorrisos, de copos levantados ao ar em brinde do passo que tínhamos conseguido dar.
À medida que cada lembrança, das milhares de actividades que fiz, me flashava a mente, as lágrimas escorriam.
Parecia que os rostos esquecidos tinham esperado por aquele momento, para se erguerem numa só voz fulminante e aguerrida...

Recebi cada um deles com uma lágrima e com um rasgar de lábios sorridentes. Finalmente tinha percebido... As associações são as pessoas, essas é que contam... Podemos ter todo o dinheiro do mundo, podemos ter todos os interesses do mundo, mas no fim de tudo, o que realmente importa, é termos alguém com quem partilhar o caminho. Isso sim é o associativismo. Isso sim é o sonho. É preciso renova-lo, é preciso faze-lo rega-lo para que floresça. E para isso, quem lá vem, tem caminho aberto para seguir em frente. (Eu não vou impedir-te.)

Constrói a tua própria canoa e rema... Se precisares de ajuda... Podes sempre contar com este velho viajante. Pelo menos posso sempre acompanhar-te um pedaço do teu caminho. Mas serás tu que tens de o trilhar.